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Posted by Cia Teatral Palco de Brincadeiras

CONPANHIA DO LATÃO É SEMPRE REFERÊNCIA DE UMA BOA REFERÊNCIA.


Berliner mostra a SP o Hitler "popstar"
Por Nelson de Sá, Folha de São Paulo, Ilustrada,10 de outubro de 1997.

O ator Martin Wuttke e o assistente de direção Stephan Suschke falam à Folha dos novos rumos da companhia de Brecht; hoje é o último dia do espetáculo na cidade

Localizado a poucas quadras do que foi o muro de Berlim, na Alemanha, o Berliner Ensemble, criado por Bertolt Brecht em 49, foi a maior referência do teatro político na segunda metade do século.A queda do muro em 89 abriu uma crise de referências no próprio grupo, bem como no mundo. A morte de Heiner Müller em 95, remanescente do início brechtiano, fechou de vez o ciclo.O ator Martin Wuttke, 34, e o diretor-geral Stephan Suschke, 39, lideram hoje a companhia.

Em entrevista, falam dos possíveis novos caminhos para o teatro político e da montagem de "A Resistível Ascensão de Arturo Ui", que estreou dois anos atrás e é o maior sucesso da companhia nos anos 90.
Escrita por Brecht (1898-1956) e dirigida por Müller (1929-95), com Wuttke como protagonista e Suschke como assistente de direção, "Arturo Ui" é uma parábola da ascensão de Hitler, relacionado a um gângster de Chicago.A peça faz hoje às 20h, no teatro Sesc Anchieta, a segunda e última apresentação em São Paulo. É a primeira vez que o Berliner Ensemble se apresenta no Brasil.

*Folha - Vocês nasceram na ex-Alemanha Oriental? E vocês se diriam socialistas, ou verdes?

Martin Wuttke - Eu sou alemão-ocidental e nunca fui membro de um partido, nem serei. E dar a voz significa perder a voz. Como na Alemanha o voto não é obrigatório, eu não dou meu voto. (É um trocadilho de Wuttke: "voz" e "voto", em alemão, são expressos com o mesmo termo.)

Stephan Suschke - Eu também nunca fiz parte de partido, nem pretendo. Evidentemente, trabalhando anos no Berliner, eu me autodescreveria como tendo uma consciência de esquerda. Mas a história dos últimos 50 anos mostrou que as boas intenções, quando instrumentalizadas por partido, acabam sufocadas, morrem.

Folha - "Arturo Ui" é a peça de maior sucesso do Berliner Ensemble depois da queda do muro. Ela reflete de alguma forma as exigências da Alemanha reunificada?

Suschke - Talvez o contrário, talvez seja um sucesso porque não responde à situação atual.
Wuttke - O que a peça descreve não tem ligação direta com os problemas da Alemanha reunificada. Mas há dois aspectos da encenação que dizem respeito à atualidade. Um é o efeito "popstar" na política, que é mostrado permanentemente, e o outro é que ela corresponde à sensação generalizada, em toda parte, de que há uma relação entre política e criminalidade.

Folha - A peça apontaria assim a atualidade de Brecht?

Suschke - Na Europa, até alguns anos atrás, poderia se pôr em dúvida a atualidade de Brecht. Mas mesmo na Alemanha, nos últimos tempos, as peças estão ganhando atualidade, relevância bem maior. A sociedade se move em ondas, em movimentos circulares, e as peças voltam a ganhar atualidade na mesma medida em que a sociedade evolui. E hoje os efeitos das montagens na Alemanha são de uma espécie diferente. Alguns são políticos, mas outros são efeitos que antes nem seriam imagináveis.

Folha - Vocês já disseram que o Berliner precisa de uma redefinição política, do que seria o teatro político depois da queda do muro. Já têm hipóteses de trabalho?

Wuttke - É difícil dizer se eu já tenho uma redefinição do teatro político. Basicamente, a questão é se o teatro ainda pode assumir uma função, digamos, revolucionária, ou se hoje o teatro tem que, forçosamente, assumir um papel dentro do Estado, e portanto de sustentáculo do Estado. Por exemplo, se o teatro tem o poder de se transformar em advogado de determinadas pessoas privadas de sua liberdade, ou se tem que renunciar a isso e assumir os próprios privilégios, como o de poder viajar às custas do Estado.

Folha - Um exemplo oposto?

Wuttke - Uma das tarefas políticas a que o teatro poderia se dedicar, se ele se considerasse teatro político, seria encontrar algo assim como o tão falado terceiro caminho. Depois da queda do muro, tudo o que antes era rotulado de esquerda entrou em descrédito na nova Alemanha unificada. Na verdade, a queda do muro significou o triunfo de um poder. O capitalismo venceu o socialismo, e com isso muitas das conquistas do socialismo se perderam, tanto na área política como na intelectual. E muitas forças intelectuais da ex-Alemanha Ocidental também perderam o ímpeto. Uma tarefa política possível, para um conjunto como o Berliner Ensemble, seria descrever essa situação política da Alemanha a partir de uma nova perspectiva. Encontrar um novo ponto de vista político para descrever a situação presente.

Folha - Suschke diz que o efeito de distanciamento pode ser resumido dizendo que os personagens bons, para serem interessantes, devem ter aspectos positivos. Quais são os aspectos positivos que você trabalhou no Arturo Ui?

Wuttke - Aspectos positivos? (risos) É fácil. Arturo Ui é um personagem fascinante. E o que eu busco mostrar nas apresentações é que nós podemos e queremos segui-lo, porque exerce um forte fascínio. É um bom "entertainer".

Suschke - É a grande diferença entre a política e a Igreja Católica. (risos) Na Igreja, você não precisa ser um bom "entertainer" para ser líder. (risos) Na política é preciso ser um bom "entertainer".

Wuttke - Na Igreja Católica, a encenação já é muito forte. Os atores não precisam ser tão bons.Suschke - Por isso é uma especial alegria chegar ao Brasil imediatamente depois do papa. (risos)

Folha - A cena em que um ator ensina Arturo Ui a se comportar foi inspirada num ator de Munique que ensinou Hitler. O que exatamente ele ensinou a Hitler?

Wuttke - Não há detalhes a respeito. O que existe são as fotos de Hitler, em que assume diferentes poses. Mas não se sabe como foi este, digamos, curso. O que a gente vê, ao longo dos cinejornais nos quais ele aparece, é que tinha uma linguagem corporal, com movimentos estilizados que se repetiam, e que eu assumo na atuação. Para mim foi importante verificar que o modo de Hitler se apresentar diante do público era além de natural. Ele praticamente não tinha uma forma natural de agir. Tudo o que vemos dele é algo que criou para si mesmo. E ele se ocupava permanentemente em verificar as impressões que causava nos outros, com seu jeito de falar, sua atitude corporal. Por exemplo, ao vestir um fraque, ao se movimentar em meio a empresários.

Suschke - Ele tinha um conceito de marketing de sua própria figura semelhante ao dos "popstars". Podemos dizer que ele foi o primeiro "popstar" do mundo.

Folha - Como um ator tão artificial, ou tão antinaturalista, conseguia tamanha identificação?

Wuttke - Por que um personagem como Michael Jackson tem o efeito que tem sobre o público, sendo que toda a sua movimentação, sua aparência, é artificial? As pessoas realmente choram, ficam comovidas. É justamente por causa da sua artificialidade. Numa cerimônia de casamento numa igreja, o que emociona as pessoas que assistem é a formalização. É a antinaturalidade que causa o efeito mais profundo sobre o público.

Suschke - É justamente o caráter estranho que esses personagens têm que lhes dá uma espécie de divindade. Hitler, a partir do momento em que ingressou na política, se auto-elaborou como personagem. Ele escreveu a sua autobiografia mudando detalhes do seu passado, inclusive, depois, mandando matar pessoas que pudessem dar testemunho contrário ao que tinha escrito. Ele foi o artífice de sua própria figura. Aliás, ele pretendeu ser um artista. Pena que não conseguiu o ingresso na academia de artes de Viena. Ele amava Wagner, e amava o conceito da obra de arte integral.
E pode-se dizer até que ele via a si mesmo como uma obra de arte integral.


(FONTE: HTTP://WWW.COMPANHIADOLATAO.COM.BR)